terça-feira, 12 de abril de 2011

Contratos no Common Law (III) - Agreement - Offer II

A OFERTA DEVE SER COMUNICADA

A oferta deve ser comunicada é não tem efeitos até que o offeree seja comunicado pelo offeror. Se o offeree não estiver consciente da existência de uma oferta, ser-lhe-ia impossível aceitá-la. No caso R. v Clarke (1927), da Australian High Court, o sr. Clarke estava sendo investigado por suspeita de homicídio. Como forma de demonstrar sua inocência, concedeu informações que conduziram as autoridades policiais a  encontrar o verdadeiro criminoso. O Estado oferecera uma recompensa por informações que levassem ao delinquente. Sendo este preso, o sr. Clarke requereu o pagamento de sua recompensa. Mas os juízes, ao analisarem as provas dos autos, chegaram à conclusão de que o sr. Clarke não sabia previamente da existência de uma recompensa e de que havia fornecido as informações com o único objetivo de liberar-se das acusações, mas não para obter a recompensa. O tribunal entendeu que o pedido de recompensa do sr. Clarke era infundado, pois não estava consciente da existência de uma oferta.

Obs: O uso da letra "R" maiúscula sempre aparece nas demandas em que o Estado é parte nos países do Common Law ainda juridicamente unidos à Coroa britânica (British Commonwealth of Nations). É a abreviatura da palavra latina "Rex" (rei) ou "Regina" (rainha), uma vez que nas monarquias a pessoa do rei simboliza a Coroa, a qual representa o Estado Monárquico.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Contratos no Common Law (II) - Agreement - Offer I

Vamos apresentar o acordo de vontades - agreement - como elemento essencial dos contratos.

No direito anglo-saxão, o agreement constitui-se de uma oferta (offer) aceita pela outra parte (acceptance).

Uma oferta (offer) pode ser definida como uma declaração (statement) ou proposta (proposal) feita por uma pessoa (offeror) a outra (offeree). Em geral, uma oferta é acompanhada de negociação antes que haja a aceitação. Agora, uma questão candente no direito do common law é a definição do que constitui uma real oferta, ou seja, quando o offeror quis realmente declarar que ofertava algo a outrem? E quando o offeree poderia razoavelmente entender que uma oferta lhe fora feita? A jurisprudência e doutrina lançam alguns parâmetros ou balizas para a identificação de uma oferta:
  • a oferta deve ser comunicada pelo offeror ao offeree;
  • pode ser formulada a uma pessoa específica, a um grupo de pessoas ou mesmo a uma coletividade indeterminada;
  • deve ser clara e inequívoca (clear and unequivocal);
  • deve ser distinta de meras blandícias (mere puffs), mero pedido de informações adicionais ou de um convite para entabular tratativas (invitation to treat).
Em outra ocasião, falaremos mais sobre a oferta (offer) com exemplos da jurisprudência.

Contratos no Common Law (I)

O conhecimento dos fundamentos e termos básicos do direito contratual do common law revela-se de suma importância para a prática negocial internacional. Por isso, comecemos com alguns conceitos básicos:
 
"Essentially, a contract is an agreement between two or more parties that the law will enforce (MONAHAN, 2001, 1)". (Essencialmente, um contrato é um acordo [de vontades] entre duas ou mais partes com vinculação obrigatória por força de lei).
 
São elementos do contrato:
  • agreement: o acordo [de vontades] essencial à configuração de um contrato. É constituído por uma oferta voluntária (voluntary offer) e uma aceitação (acceptance) de acordo com certos termos.
  • consideration: significa em legal english (inglês jurídico) "prestação" ou "contraprestação" e não "consideração". Esta palavra é importantíssima, uma vez que constitui o objeto do contrato.
  • O elemento subjetivo do contrato são as partes (party to a contract - parte de um contrato; plural - parties to a contract - partes de um contrato). Cuidado com esta especificidade do legal english: em linguagem jurídica, party não quer dizer "festa", mas sim parte em um contrato ou mesmo em um processo judicial (no processo judicial dos EUA, a parte autora chama-se plaintiff e a parte ré defendant).
  • form: a forma revestida pelo contrato.
 
São requisitos de validade do contrato:
  • legality: legalidade ou licitude do objeto contratual.
  • capacity: capacidade das partes para celebrar um contrato. Os menores (minors), por exemplo, não tem capacidade para celebrarem sozinhos contratos.
  • legal form: forma legal, prescrita ou não defesa em lei. Embora a liberdade das formas seja a regra, em alguns casos a lei exige a forma escrita ou certas solenidades para a celebração de um contrato.

terça-feira, 5 de abril de 2011

O Poder Judiciário Norte-Americano (I)

Como no Brasil,  a denominada "Justiça Comum" estadunidense está organizada em torno de tribunais estaduais e tribunais federais.

Comecemos pelos Tribunais ou Cortes Federais (Federal Courts). O sistema estadunidense de tribunais federais está estruturado em três níveis principais, apresentados abaixo a partir do nível hierárquico-administrativo mais baixo ao mais alto:
  1. as cortes ou juízos distritais (district courts);
  2. as cortes ou tribunais de recursos (courts of appeals);
  3. a Suprema Corte ou Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América (U.S. Supreme Court).
Há também uma "Justiça Federal Especial" (courts of limited jurisdiction), com competência funcional afeta tão-somente a algumas matérias, como a U.S. Court of Federal Claims (casos específicos contra o Estado), a U.S. Court of International Trade (Comércio Internacional), e a U.S. Tax Court (Corte Tributária).

Retornando à Justiça Federal comum, as cortes ou juízos distritais (district courts) atuam como cortes de julgamento em primeiro grau de questões de interesse federal tanto civis como criminais, incluindo questões de direito marítimo (admiralty cases). Também detêm competência para apreciar as decisões de algumas agências administrativas federais. Há 94 cortes distritais espalhadas pelos EUA. Alguns estados possuem um único distrito judicial federal (semelhante ao conceito de seção judiciária da Justiça Federal brasileira), enquanto outros estados podem ter até 4 distritos judicias federais.

Os recursos contra decisões destas cortes são de competência do tribunal ou corte recursal (Court of Appeals) do circuito em que está localizado o distrito. Circuito  significa uma área geográfica que contém, em geral, uma série de distritos (similar ao conceito de região para os tribunais regionais federais brasileiros, os quais contam 5 regiões, cada uma contendo a área geográfica de mais de um estado). O território dos EUA está dividido em 13 circuitos, sendo que um deles é responsável tão-somente pelo District of Columbia (o Distrito Federal) e outro atua como corte recursal para cortes federais especializadas ("Justiça Federal Especial"). Constituem o segundo grau federal de jurisdição e, como são pouquíssimos os casos anualmente apreciados pela Suprema Corte, em geral funcionam como última instância recursal federal. Em regra, as decisões são tomadas por um colegiado de três juízes (no Brasil, Câmara ou Turma), mas há certos temas em que o Plenário pode rever as decisões tomadas pelo colegiado tríplice (procedure "en banc").

Os recursos contra decisões das courts of appeals são julgados pela Suprema Corte (em casos excepcionais, recursos contra decisões das district courts também podem ser admitidos diretamente na Suprema Corte). Esta é composta por nove membros, denominados Justices (no sistema brasileiro, Ministros do Supremo Tribunal Federal), sendo o magistrado presidente denominado Chief Justice e os demais Associate Justices. Sobre a Suprema Corte dos EUA falaremos melhor em outra oportunidade.

Curiosidade histórica: os julgamentos da Suprema Corte começam com o meirinho da Corte (Marshal of the Court ou Court Crierapregoando as seguintes palavras (também encontradas em versões similares em outras cortes):

"The Honorable, the Chief Justice and the Associate Justices of the Supreme Court of the United States. Oyez, oyez, oyez! All persons having business before the Honorable, the Supreme Court of the United States, are admonished to draw near and give their attention, for the Court is now sitting. God save the United States and this Honorable Court!"
("Os Honoráveis Ministro Presidente e Ministros Associados da Suprema Corte dos Estados Unidos. Ouvi, ouvi, ouvi! Todos aqueles que tenham demandas perante a Honorável Suprema Corte dos Estados Unidos são exortados a aproximar-se e prestar atenção, pois a Corte toma assento agora. Deus abençoe os Estados Unidos e esta Honorável Corte!")


Inauguração do blog

Trabalhando em uma área do Direito que lida com contratos estrangeiros ou internacionais (Direito do Petróleo), percebi três coisas:
  1. Quando duas ou mais pessoas (naturais ou jurídicas) de países diferentes resolvem celebrar um contrato, geralmentes o fazem em língua inglesa (ainda que o inglês não seja a língua nativa de nenhuma das partes envolvidas).
  2. Ao fazê-lo, recorrem a institutos jurídicos do common law (sistema jurídico dos países de tradição anglo-saxã e boa parte de suas ex-colônias).
  3. Não há programas sistemáticos nas faculdades de Direito que ensinem alguns fundamentos do sistema do common law (algumas honrosas exceções, como a Escola de Direito da FGV).
Contudo, para aqueles que militam em áreas envolvendo situações jurídicas internacionais (como a área de Direito do Petróleo, Comércio Internacional e, em geral, todos os grandes escritórios de advocacia nacionais que têm clientes estrangeiros), o material de consulta sobre o common law no Brasil é escasso, resumindo-se quando muito aos bons e velhos dicionários jurídicos de inglês-português. O problema é que estes dicionários não apresentam um estudo sistemático dos institutos, não demonstrando pontos de semelhança e discrepância com os similares institutos do sistema romano-germânico-canônico (sistema em geral dos países de tradição latina ou da Europa continental). Não à toa, grandes escritórios costumam enviar alguns de seus melhores advogados para temporadas de estudo em universidades americanas (às vezes inglesas). Mas nem todos podem recorrer a esta formação de escol. Não obstante isto, podem ser chamados a lidar com estes temas, seja no setor privado ou público.

É especialmente para estes últimos que começarei a escrever este blog: aqueles que não dispõem de tempo, recursos ou meios de conhecer um pouco melhor o direito de matriz anglo-saxã, mas por ele nutrem interesse, seja por imperativo de ordem profissional ou mesmo por curiosidade acadêmica.

1a. advertência: embora tente passar as informações mais atuais e fidedignas possíveis, sou um advogado brasileiro e não um advogado formado segundo o sistema do common law. Então, incorreções e desatualizações podem sim ocorrer, especialmente quanto à jurisprudência estrangeira ou leis estrangeiras mais recentes. Meu objetivo não é fornecer um curso completo e minudente de direito anglo-saxão, mas sim explicar alguns fundamentos básicos dos principais institutos jurídicos deste sistema.

2a. advertência: em alguns temas, como direito constitucional, darei primazia ao enfoque do direito anglo-saxão pelo viés estadunidense, não só por deter mais material deste país, mas também pela grande relevância cultural e econômica de que está imbuído nos dias de hoje. Mas referências ao Reino Unido também poderão ser feitas, bem como às ex-colônias britânicas (neste último caso, mais excepcionalmente).

3a. advertência: os posts deverão concentrar-se mais na área de direito privado (civil e empresarial) e na área de direito constitucional. A área de direito administrativo pode ser ocasionalmente abordada. Direito penal e processual (penal e civil) não serão abordados, pois este que vos escreve nutre pouco interesse por estas matérias no sistema brasileiro (que dirá em um ordenamento estrangeiro!). De vez em quando, pode haver algo de Direito Tributário. Embora trabalhe com Direito do Petróleo, reputo a área muito específica para ser objeto deste blog.

4a. advertência: sempre que possível, tentarei apresentar uma tradução consentânea para o vernáculo do chamado legal english (inglês jurídico), registro técnico da língua inglesa que por vezes afasta-se do uso comum do idioma.

Espero poder ajudar os futuros leitores do blog. Aproveitem!